Sunday, November 12, 2006

O dia do Mito

Por que isto - a Arte?
O que saber sobre sua "matéria", senão sobre o que o homem é capaz de fazer de si nesta relação com as matérias que manuseia durante a obra, e sobre seu contato com o imponderável?
A mente, tanto quanto a matéria plástica, não se revela sem resguardar para si algo de opaco, algo que deve permanecer a título de projetar sempre o desejo de ir além, de investir no que ainda não se vê, mas que se pressente.
Do que se disse até aqui, sabemos nós, e coloco-me agora como outro que lê a si, uma história de artista, uma visão acerca de si que elege o que considera relevante para contextualizar sua trajetória nas Artes, mas subitamente, com este deslocamento observamos um salto no abismo do inefável, que tem uma ponte sobre si, ligando um lado, o da pergunta, ao outro, o da resposta, esta ponte chamada matéria.
Matéria que se multiplica em significados segundo a ordem que lhe emitimos.
Seja óxido e ela será.
Seja cor e ela será.
Seja um coelho saído de uma cartola e ela será.
Feita a nossa imagem e semelhança, é o que lhe cabe ser em sua verdade no mundo. Isto implica em que a repulsa de um material pelo outro, sua incapacidade de fusão, criada por uma ação voluntária imposta previamente pelo artista – impermeabilizando uma área, por exemplo, e colorido em seguida com uma tinta que será repelida - pode oferecer uma observação que leve em conta a forma das manchas que se cria. A forma da mancha não altera o fato de que a tinta foi repelida devido às suas propriedades físico químicas ou que a superfície da tela reteve apenas um pouco da cor aplicada, pela mesma razão, fato que já seria um dado técnico relevante para uma observação científica.
Porém, as formas criadas nesta relação de incompatibilidade material, consideradas dentro de uma ótica poética, filosófica ou mesmo metafísica, são muito relevantes para o artista, que a partir da interpretação subjetiva destas formas, poderá inferir significados específicos que alterem totalmente o conteúdo imagético da obra. Este é o exercício pleno da imaginação, incitado pela observação do comportamento material das tintas sobre a superfície da obra em vista de uma resposta que beira o animismo. E por que não?

Sapain e a Onça

Sunday, November 05, 2006

Poiésis

Sou antes do pensamento que sou

Um dos problemas fundamentais de nosso tempo é a comunicação do pensamento. Há muitas formas de linguagem disponíveis, além dos hábitos que por si mesmos também promovem a fragmentação e deformação do discurso em distintas linguagens: científica, artística, técnica, da vida cotidiana e assim por diante, cada qual explicando as coisas segundo sua característica própria, que é dada numa determinada cultura.[1]
Por sua vez, o discurso sobre a Arte oferece ao pesquisador, e lhe permite, conseqüentemente, dizer aquilo que ela , a Arte, manifesta de racional, aquilo que é passível de uma tradução pela via do intelecto.
Mas a despeito desta propriedade caracteristica deste tipo de discurso, de sua capacidade para articular o que é lógico, há também nele uma "potência" que não se reduz à investigação puramente racional, por assim dizer. Digamos que esta potência participa ou "habita" um universo que é "ilimitado". Assim sendo, em si mesmo, este universo abriga o sentido "poético" do ser. Neste sentido, esta "potência" imanente do discurso, por sua natureza, remete o homem à capacidade de associação "extralógica" ou daquilo que a lógica deve negar por definição. Abre-se na consciência, de modo irremediável, a existência de um "algo" indefinível, porém perceptível e criador de significado positivo aos sentimentos.
Este "algo" que persevera como uma essência imanente na articulação das idéias, fica oculto no que a palavra não alcança, isto é, manifesta-se na consciência do leitor “a partir do discurso”, no entanto, sem deixar-se revelar "absolutamente". Subsiste como um "pre-sentimento".

Gaston Bachelard cita que um dos destinos da palavra é a poesia: “Dir-se-ia que a imagem poética, em sua novidade, abre um porvir da linguagem.”[2]
Portanto, esta porção inefável, de natureza subjetiva, que é uma das características da Arte, só é dita "pelo" silêncio da razão, é evocada "nas" entrelinhas do discurso, soando apenas na voz que o leitor ouve "em si", em sua solidão ativa durante a sua articulação intransmitível de significados particulares.
[1] Aristóteles aborda a questão em sua Metafísica: “os vários modos de dizer o ser”.
[2] Introdução, A Poética do Devaneio, Bachelard,Gaston.

Habitante do tempo

Somos prisioneiros do tempo. Nada do que pensamos está para além das concepções temporais, nada do que é dito é dito fora do tempo. Somos apenas porque há uma vontade de Ser expressa no Verbo. Curiosamente, nossa prisão é o motivo último da vontade de sermos livres. No entanto, uma ilusão foi criada, desde sempre, e talvez exista apenas para que possamos superá-la: a virtualidade. Na mente antiga ela aparece como o ente, o existir imaterial das Formas platônicas. Hoje ela tende a desaparecer na banalização da técnica, coberta pelo virtuosismo das imagens digitais fecundando mundos que não existem senão na máquina que julgamos dominar e manipular. A velocidade nos aparece agora como ordem do dia: devemos correr, devemos atualizar. Mas se apenas habitamos o tempo por ser este o nosso modo de perceber, se as explicações que damos sobre isto são as justificativas para "termos que" nos atualizar, a questão da liberdade, da superação dos limites temporais está justamente no que ultrapassa a explicação. Estamos diante da chance de um novo paradigma, no qual, a virtualidade nos convida a apenas estar ali onde sabemos não estar, a sermos independentes da quantificação que devora nosso ser num tique-taque interminável. Ser é o mesmo que estar? Por quê?

Monday, October 23, 2006

VISÃO MAIA

SIGNOS

REFLEXÕES SOBRE A PASSAGEM DO MILÊNIO

PAGÉ COMUIUIRÃ DURANTE UMA PROFECIA

KARYTÚ

DANÇA NO XINGÚ

CIVILIZAÇÕES II

CIVILIZAÇÕES

O encontro com o Pagé

UKA UKA

No Alto Xingú os colossos dançam para segurar o céu. Seus corpos exaltam as formas humanas no universo da floresta. Cores exibem qualidades e agilidade, destreza e criação. Cada traço preciso foi elaborado há muitos séculos. São feições da identidade de uma raça que ri e não teme as lágrimas. Que se lança na aventura de viver como quem acaba de descobrir que pode caminhar. Lá nesta terra de chão batido, a música soa e vibra no vento. O Sol arde e ilumina a dança para segurar o Céu. Este é o Uka Uka.

Seres da Floresta

Toda expressão de vida reflete uma só vontade que é manifesta sob multiplos aspectos. Cada ente conterá em si uma natureza própria que, segundo seu modo único de ser, virá a participar de um destino que envolve tudo o que existe.
A diversidade é a maior riqueza concebível e também a maior evidência de que tudo corresponde ao desejo de criar novos aspectos, novas faces da Criação em seu ato criador. Todos temos o direito a participar desta riqueza, de a nosso modo, segundo nossas características, contribuir para que os recursos naturais sejam preservados e todos os seres vivos encontrem meios de vida e expressão.

ANJO

Marte


As fronteiras do saber não coincidem com as fronteiras da tecnologia atual: eis a questão!

O pescador
















O pescador sai em busca de si. Em seu caminho encontra a iamgem de um peixe que sobe aos céus e se ilumina como fogo. Agil, o pescador lança sua rede e carrega o peixe para junto de si. Ao tocá-lo percebe que já não é mais quem pesca mas é a própria vontade de ser peixe. Voltando para perto dos seus, este pescador agora tem o dom de oferecer tudo o que sua família precisa para poder viver bem. A natureza o convida a fartar-se em tudo o que cresce e floresce em seu solo.

ps: antes de abrigar o prédio da Assembléia Legislativa o local era visitado pelos povos indígenas pois ali havia um lago piscoso.

O Pescador - alumínio fundido, 3m de altura por 80cm de diâmetro. Obra escultórica feita pelo artista em 2000, atualmente pertencente ao acervo do Governo do Estado de São Paulo

Mamaé do peixe

A arte da própria imagem



A imagem do homem é aquela que cabe em sua imaginação, é lá que está contida sua essência, seu sentido de ser e seu destino.

Equação Yanomami



Toda expressão de arte encerra uma especialização e manifesta a necessidade de uma adequação do espírito humano. A arte ancestral representa o momento inaugural desta adaptação do homem no mundo. Nela estão os valores primordiais que ainda hoje criam sentidos em nosso imaginário.

Ñandévas - A Origem da origem do mundo



Na origem de tudo está o interesse dos mais rigorosos.

A cosmogonia indígena brasileira é fonte inesgotável de reflexões sobre a condição humana frente ao universo.

Monday, October 16, 2006

Homem mortal imortal Deus


Um novo milênio se abriu diante dos homens, mas as profundas transformações que ele trouxe à luz, aparecem apenas como bruma à maioria. Porém o espírito do tempo é inexorável e já submete a humanidade a um novo paradigma, e evoca a necessidade de um outro olhar, agora sistêmico sobre si mesma, um fator que recai de modo incondicional sobre todos os povos da Terra. Cada qual manifestando um projeto próprio para engajar-se numa unidade indissolúvel. A ciência nos diz que já não somos regidos unicamente pela lógica cartesiana e há mais dúvidas do que certezas quanto ao que é o ser ou não ser.

Imaginário

Existe um rico universo imagético com profundas raízes na memória do homem moderno, mas que escapa à sua compreensão e acesso devido ao curso que a civilização contemporânea tomou, distanciando o interesse de tudo aquilo que não se reduz a modos explicativos ou que venha a lhe atender necessidades imediatas do mercado e do Capital.
Assim, este mundo imagético permanece de um modo geral, oculto em velhos manuscritos, porém vem emergindo aqui e acolá em espaços diversos, sobretudo em sites relacionados com o esoterismo. Sobre isto, este interesse que se renova aos poucos e que assume inúmeras variantes, discutirá bem mais adiante.
Antes de pensarmos no contexto em que estas imagens reaparecem em nossos dias, consentiremos que este vasto repertório artístico criado diretamente por alquimistas artistas ou artistas alquimistas, constituído de um sem número de gravuras, pinturas, relevos e esculturas repletos de figuras, regem nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Este fato levou o poeta inglês Willian Blake (1757-1827) a dizer: “todas as coisas que acontecem na Terra se refletem ai [nas obras de arte].”
Podemos afirmar que isto é uma verdade pois nosso imaginário responde a estímulos que se originaram em tempos remotos. Nosso modo de ser, de acreditar, de desejar, de amar e de temer é fruto de um condicionamento cultural, filosófico, político e religioso. Desta maneira, mesmo considerando todas as transformações ocorridas ao longo dos tempos, nos levando a crer na diferença que temos dos nossos ancestrais, em verdade, elas residem no que é aparente, no que reveste as ações e os objetos, porém, pensadas em sua profundidade e em sua essência, nossa forma de ver e imaginar o mundo já estava presente nos gregos – e estes, por sua vez, encontrarão nos egípcios uma forte de influência. Sobre este legado originado no Egito Antigo a alquimia e as artes conhecerão um florescimento no pensamento grego, através destes homens que edificaram um modo peculiar de pensar e fundaram a racionalidade. Porém, a rigor, o Homem ainda ama a liberdade, teme a morte, imagina outros mundos, regiões transcendentais, crê na busca pela felicidade, na salvação, e educa seus filhos segundo aquilo que entende ser o Bem. Nada disso era totalmente diferente à época do deus Thot ou mais tarde de Heráclito de Éfeso.
É verdade que há mudanças significativas, que muito se esclareceu sobre os organismos vivos, sobre as estruturas físicas da matéria, e principalmente sobre os direitos humanos, se bem que poderíamos discutir isto à parte. Portanto, admitimos que somos diferentes de algum modo, isto é inegável, mas, nada disso exclui de nossa mente as impressões que os alquimistas e artistas captaram em suas obras. E é neste imaginário que ainda vivemos em nossas profundezas. Permanecemos imersos neste mundo arquetípico. Na época moderna foi Carl Jung, o grande psicanalista discípulo de Freud, investigando o inconsciente, quem relatou a semelhança entre os sonhos de seus pacientes e a simbologia encontrada nas imagens de obras alquímicas.
É neste contexto que iremos abordar e pensar este enigmático mundo imagético e suas conjecturas sobre a natureza humana. E o faremos sem perder de vista que estas imagens, além de conterem toda uma filosofia, são obras de arte, são também gravuras, pinturas, relevos e esculturas, e nesse sentido, são realizações de artistas empenhados em transformar a matéria em vista de fabricar óleos, ácidos, gomas e pigmentos, fundir metais e colorir vidros e cerâmicas.
A distinção entre estes dois personagens desaparece quando entendidos como investigadores do material que manuseavam, quando refletiam sobre problemas de ordem prática em seus laboratórios e ateliers, e principalmente quando pensavam acerca da representação de um ideal supremo, filosofando a questão da imortalidade da Alma.

Saturday, September 16, 2006

O ALQUIMISTA


Os objetos de arte possuem sua vida própria e autonomia, contam o que querem a despeito do que lhe atribuem as notas de rodapé, pois migraram do espírito e só a ele se dirigem.
O universo da arte precisou ser explicado, e já havia desaparecido na história das lideranças como a descoberta mágica, mas, igualmente à letra, subsistiu aparentemente apenas como uma utilidade, um instrumento do orgulho e da vaidade a serviço da mitificação do poder, do realmente extraordinário que reside no homem poderoso em detrimento das fantasias do além que antes o submetiam moralmente. Desmitificar o mundo é ao mesmo tempo reificar a vida humana.
A vida coisificada historicamente, deglutida e excretada nas linhas dos experts e estudada nas obras nas salas de exposição, etiquetadas e museumificadas, presas do nexo fácil que alimentam as curadorias abstrusas.
A ruína do mundo sensível e inteligente?
Atrás da história da inteligência está o sinal que aponta o paradoxo: sentir ou pensar a verdade?
Nas ruínas de um passado aparentemente remoto vive o relato do enigma e sua resposta, ali disposta, nua e crua, um veneno ou um elixir potente para a mente.

Friday, August 25, 2006

cosmogonia


No chão os pés celebram o toque, o ritmo, e voa o peso, leva o corpo para ser movimento retido pela ação da Terra, em comunhão, consignados a um só destino.
No sopro a vibração constante do ir e vir, inspirar expirar, pulso batendo sangue vivo.
É música encantando o espaço crivado de signos silenciosos, acendendo a chama que arde lá onde todos voltarão a ser Luz.

O olhar do Xamã

Saturday, August 19, 2006

além da consciência há o inimaginável


Penso logo existo!
...ou descartaremos este triunfo para nos agarrar nas asas de Ícaro?
Apertem os seus cintos, há máscaras de oxigênio para casos extremos.

Saturday, July 22, 2006

Vencer o tempo


Toda análise sobre a arte é psicológica, uma vez que trata de especulação mental acerca de representações simbólicas, realizadas por intermédio da ação humana. A ‘necessidade de vencer o tempo’, como ponto de partida, parece uma justificativa bastante razoável para dar conta da gênese da arte como linguagem. Mas esse argumento já requer uma reflexão preliminar para depois dar sentido a investigação:
O que é a morte ?
Será que pode ser entendida universalmente, como algo dado da natureza do homem ?
É evidente que não, e na verdade é um dos grandes temas que se mantém sem respostas definitivas, e é muito provável que assim permaneça indefinidamente.

O que é isto - a Arte?


A relação entre a arte e a ilusão é absolutamente indissolúvel. Podemos afirmar que a arte é a mais profunda de todas as ilusões, pois nos convence de que é verdade aquilo que sabemos ser a mais pura farsa.
O homem busca na arte a ilusão de vencer o tempo, e na materialidade da obra de arte, em sua perenidade, conquistar a imortalidade, perpetuar seu sentimentos, pensamentos e visões, fixar seu mundo para aqueles que viverão depois de seu tempo, num longínquo futuro.
Ilusão essa que ultrapassa a consciência que temos dos limites da mimese e que se instala na mente do artista desde seu primeiro ato inaugural, expressão de sua vontade criadora. Na imitação o artista, poeta pintor, se esconde, deixando visível apenas a obra acabada para que tenhamos a ilusão de que não é ele quem nos “disse”, mas de que é ela própria quem nos “diz”.
Se o artista é tomado por um desejo de realização da obra, se visa alcançar uma beleza que percorre com a visão do belo, que nasceu em sua interioridade, na qual, distingue um objeto nesta vasta paisagem, elegendo-o à paradigma da beleza, o faz por pura necessidade espiritual. E é assim porque não há freios que o impeçam desta experiência. Nada poderá se interpor à sua vontade de justificar seu propósito artístico interior, de “representar na matéria” aquilo que é imaterial, que é a sua sensação. O artista seguirá em sua empreitada ainda que saiba, de antemão, que sua realização, a obra de arte, será apenas a “sombra” do que experimentou em sua inspiração original.
Assim, diante de sua visão interna, iluminada justamente pela ausência da “realidade ordinária”, formada pelos limites que se impõe pela lógica cartesiana, que o artista se lança ao ímpeto criador e se encontra livre para seguir até à realização da obra de arte. E, mesmo que nela, na obra de arte, em sua superfície fria, de tinta ou de mármore, fique retida apenas a cópia externa de uma vivência interna, esta cópia se insinuará como o objeto autêntico ou imagem interna original.
Nesse sentido é que a crítica platônica à arte é incisiva. Para Platão a arte é justamente isto: a capacidade de iludir o homem de que a representação é a “coisa mesma”, de que é um modo de ser daquele ente. Tal fenômeno seria então oposto ao modo de vir a conhecer as coisas segundo a visão de Platão, pois nega que haja possibilidade de conhecer qualquer coisa pelas vias da sensação, do mundo sensível temos apenas a visão das sombras, um simulacro falso distante da verdade da formas eternas que habitam no mundo inteligível.
Contudo, o universo da arte se expande para muito além do que realmente podemos conhecer se levarmos em conta os limites da racionalidade. Na razão só viremos a conhecer aquilo que é pensamento, pois só o pensamento pode se articular numa explicação, na lógica das palavras, por outro lado, na arte, além de pensamentos, encontramos os sentimentos e estes só podem dizer sua verdade sem palavras concisas, pois pertencem a um universo maior, regido antes pela subjetividade e pelo inefável.
Só há sentido na criação quando a ilusão veste-se de verdade para o artista, quando ele está acometido da persuasão do devaneio. Impotente ante aquilo que escapa ao manuseio, no instante criativo a razão suspende seu domínio lógico, anula-se, para deixar que a imaginação liberte-se da objetividade intrínseca das coisas. E movendo-se do externo para o interno e deste para o espaço vazio que se preencherá com a obra, o real se sublima ante o que é a chance de percorrer o extraordinário e emancipa-se, por assim dizer, dos limites presos às noções do que é o possível e o impossível.
Daí, dizermos que o domínio da arte é autônomo, e sua lógica - se é que este termo é o adequado para isto - consiste em ser algo mais do que o possível e o impossível, vindo a operar naquilo que, instaurando novas bases, cria o meio e a forma da realidade inefável, tal como um novo paradigma da realidade.
A autonomia do artista está justamente em sua utopia, neste sonho e desejo de realizar a tradução desse universo inefável que vislumbra para uma linguagem compreensível também à razão. Porém, quando o faz, “fala” do que sabe numa língua subjetiva, que toca mais do que os tímpanos e a massa cinzenta guardada no crânio, buscando outros meios e modos do homem se conhecer. A arte visa a alma que, em verdade é a sua própria essência. É um discurso que mira apenas os anseios espirituais.
Desta forma, mais do que traduzir seu desejo, o artista constrói uma linguagem perfeita, porque sua forma é universal por excelência, seu discurso visa e deve atender a necessidades independentes de quaisquer fatores - culturais, políticos, filosóficos ou religiosos. Sua obra segue dizendo seu conteúdo a todos que a contemplem. E é neste sentido que se ela identifica ao mito, porque, ao atingir este poder de iludir, ela continua representativa indefinidamente no tempo. Dirá eternamente algo que ecoa na essência de todo homem: dirá a língua do espírito.
Temos, portanto, que é na arte que a dimensão extraordinária se manifesta abertamente, ou que ela é a face manifesta do extraordinário no humano. Isto ocorre porque esta é a natureza da arte.

referências

http://www.terraespiritual.org
http://www.gnosisonline.org
http://laventana.casa.cult.cu
http://www.gravuras.com
http://www.redemundialdeartistas.org.br
http://www.artelatina.com
http://www.socioambiental.org
http://www.gf.org
http://www.levity.com

Thursday, July 20, 2006

DAS FORMAS


O conhecimento humano advém do mundo das Formas como uma memória, um processo de recordação da verdade absoluta. A possibilidade de fazer "ciência", tal como foi a pretensão dos modernos, está longe do Real. Deste modo, por hábito, compreendemos a matéria segundo a expressão racional de "algo" que experimentado pelos sentido e depois pensado, vem a existir, algo que instala-se em nós feito uma "verdade", porém, ela é reflexo e sempre se mantém muito acima da instância material. Assim, na investigação da matéria encontramos apenas os efeitos de uma causa que ultrapassa o domínio intelectivo, mas que no entanto nos toca e por isto, ilumina sentidos plenos além das explicações possíveis da vida ordinária. Da oposição destas realidades, imaterial e material, da causa e dos efeitos, e sua significação expressa nas palavras, advém um milagre: paradoxalmente o inteligível induz o sensível. Diz-se que a consciência é fruto da sensação, mas já sabe-se que o oposto é também muito provável: é a cosnciência que gera a matéria. Cabe ainda entendermos sobre o desejo que movimenta nossas escolhas, e então teremos ultrapassado a condição humana.
PALTÃO: DAS FORMAS - Acrílico sobre tela: 80x80cm 2002

Sunday, July 09, 2006

ATHENAS

O REENCANTAMENTO DO MUNDO
Um novo milênio se abre diante dos homens, ainda que sua novidade passe despercebida na ordem do dia. A arte ainda é o único elo entre o que somos em essência e o que somos nas aparências. Um elo indissolúvel.

ALETHÉIA

Alétheia - A Verdade É em si mesma, única e eterna, porém, revela-se como mistério inescrutável à racionalidade moderna. Na ciência, manifesta-se sobretudo na física quântica, abrindo uma brecha que instiga a fusão entre a razão e a fé. Um tempo que anuncia a era do conhecimento Metafísico como paradigma capaz de iluminar a existência humana.
Acrílico sobre tela: 120x80cm 2002

Friday, July 07, 2006

APRESENTAÇÃO


Em Arte sempre se é o centro nervoso da tradução de um tempo que ultrapassa a visão individual, e ao mesmo tempo, se é justamente o olho desse furacão que arrasta a alma do artista por veredas inéditas, ainda que, paradoxalmente, conhecidas do espírito humano. Nada que foi dito, escrito e visto anteriormente se repetirá do mesmo modo, no entanto sempre se parte de uma reminiscência

Dos temas ou pesquisas que vim a desenvolver, diria que orbitaram sempre ao redor de um só núcleo, que aparece em minhas obras sob aspectos diversos: o homem e sua relação com o universo interior, numa abordagem essencialmente metafísica. Em outras palavras, tive o humanismo como meta, na medida em que, enfaticamente, apontei o que considerei ser o universal no homem: a busca por si mesmo e a necessidade de encontrar uma origem para o mundo e para si mesmo.


Imagem: Artaud
pintura de 2005 - Acrílico s/t

Monday, July 03, 2006


O REFLEXO NO ESPELHO DO ÍNDIO

Pouco se sabia do que haveria ali, de fato, além de ser mais uma exposição da cultura indígena brasileira. E para a grande imprensa foi isso mesmo o que aconteceu.
Divulgada em pequenas letras, num tijolinho, destes que preenchem os periódicos: a exposição começava tal dia e acabava num outro mais tarde, ocupando o segundo piso do MIS. Era 1991.
Poucas pessoas circulavam pela montagem. Bastante modesta, diga-se, se comparada com a grande mostra, que recentemente aportou na Oca, em 2000, por ocasião das comemorações dos 500 anos deste país. Escrevo em 2002.
Poucas peças representavam a cultura de muitos povos. Ricas em detalhes, como sempre, exibiam silenciosamente sua beleza exótica aos curiosos olhares urbanos.
Arcos e flechas, colares e pulseiras, brincos também, acompanhados de etiquetas indicando a origem e nome das peças. Ao lado, numa sala improvisada, algumas estavam à venda.
Arcos e flechas, colares e pulseiras, e sobretudo brincos, estes últimos faziam sucesso junto ao público jovem.
-- Quanto custa?
-- Será que tem desse de conchinhas com penas vermelhas?
-- Tem desse, sem penas? Não dá prá tirar, e fazer um desconto? Faz um bom preço que eu levo dez...
Moitará é nome que vem do Alto Xingú.
É nome de festa entre povos, que surgem do interior da mata e trazem suas riquezas. Trocam de tudo, dão de presente também quando desejam, e não trocam se não quiserem. Moitará tem disputa do Huca-Huca. Tem flauta soprando som nos ouvidos dos homens e dos bichos. E tem dança, muita dança.
Mas pouco se sabia ali do Moitará... que era nome de índio, que era luta de índio, que era enfeite, que era índio que fazia. Sabia-se que ali tinha coisa boa, de madeira e concha, era bonito, caro, e que às vezes combinava com a roupa. Caia bem na moda da hora.
Poucos entraram e saíram ali naquele dia.
Um pequeno cartaz dizia que viria um índio à noite e conversaria com quem estivesse lá.
Poucas pessoas permaneceram, e somaram-se à outras poucas que chegaram.
Contavam-se dez ou doze talvez. Treze no máximo.
Já não havia mais aquele comércio, aquele interesse. Ficou um silêncio paulistano na sala.
O índio chegou. Vestia calça e camisa branca. Pediu logo para tirar o chinelo do pé, em voz muito baixa. Não tinha arco e flechas, não tinha brinco nem pulseira, mas se via que era diferente de todos. Um índio de verdade, os olhos não negavam.
Sentados naqueles banquinhos zoomorfos, a pedido do índio, os brancos alinharam-se para a prosa. Fala pausada, mansa e vigorosa, as palavras soaram leves, inaugurando com uma brincadeira dele.
-- Esses bancos são feitos para voar. Os que sentam, voam no espírito do bicho e vêem outras coisas. Coisas que os bichos vêem... só os homens sentam neles, por isso fico meio envergonhado de ver vocês aí misturados, homem e mulher nos bancos. Isso seria muito moderno na minha casa, entre meu povo. E riu com o corpo todo.
O silêncio deu lugar ao riso de todos. Riso do silêncio manso e vigoroso do olhar do índio.
Usava calça e camisa, e era um índio verdadeiro. Se via isso nele de verdade.
-- Esse nosso encontro, pela primeira vez aqui na cidade de vocês, é a forma que nós vimos de dizer outras palavras sobre a vida dos povos ancestrais desse país. Um mundo que tem mais de quarenta mil anos de história encoberta por florestas, e permanece encoberto à ciência moderna. Histórias que ouvi dos meus ancestrais, e que eles ouviram dos ancestrais deles.
Olhava e dizia como quem é muitos além de si, ali naquele lugar. Não havia mais nada que pudesse assemelhá-lo a nós, os brancos, a partir desse instante. Falava em português, melhor do que a média dos brancos, mas sua fala dizia coisas de uma forma diferente. Dizia com os olhos dele. No seu silêncio em nós, algo verdadeiramente diferente.
-- Meu povo foi extinto em seus livros de história. Não posso explicar o que isso me faz sentir, me desculpem, mas digo assim mesmo, que a verdade é que estamos vivos.
Somos poucos entre as nações grandes. Mas nossa história é grande como a de poucas nações. O governo brasileiro declarou guerra contra nossa nação no fim de 1800, e guerreamos corajosamente contra as armas brancas, conquistando várias vitórias em batalhas lideradas por um grande homem de nosso sangue. Em nossa história, ele é conhecido como vocês conhecem os heróis de seu povo. Vocês não precisam saber seu nome, isso não faz sentido para nós. Mas foi um grande homem, e foi morto defendendo seu povo nas matas que hoje são parte dos estados brasileiros do Espírito Santo e Minas Gerais. Vivemos ali, como fizeram outras nações ancestrais, durante muitos séculos. Hoje, sabemos que somos vinte famílias. Nossa vida mudou muito, nossas danças, nosso canto e nossos filhos,
não somos extintos. Há muito para contar para vocês.

Ayahuasca

Ayahusca a viagem da Alma

Sigo mais adiante pisando águas profundas, mais duras que o gelo seco.
Recubro a memória possível de tudo antes deste dia.
Sereno, ergo movimento único, iludindo distâncias suntuosas, indevassáveis, saltando eras inteiras para esquecer-me de saber onde será meu fim para os que sei que ainda virão depois no amanhã.
Fito uma chance, agora atrás de um corpo débil, que vai independente e estéril, despossuido ainda.
Mergulho nesta dolorosa forma descompassada.
Conto minha história noutras carnes, que confisco para fugir de qualquer verdade estúpida ou misteriosa, que possa parecer outra que não a minha.
Alento ares na vastidão desterrada.
Sopro ouvidos moucos de saber ser qualquer que seja coisa.
Epifânia imiscuindo realidades inatingíveis, senão no que não é dito por boca infantil.
Teogonia na histórica voz dos antigos poetas, velhos meninos fugindo do crescer mais do já são quando se souberam vivos, estes gigantes por isto, que sabem brincar com feijões e habitar o impensável...

Sunday, July 02, 2006

Na arte onde erro minha vida

Naquela antemanhã...acordei numa vida que sonhava ter, e adormeci para outra que feriria meu rosto no espelho inverso do que penso. Tantos em mim saltaram para ser eu para mim nesse instante sem nexo que, sem o saber, tornei-me este que escreve, que diz sentir ilusões de vidas distantes...que assina meu lugar num tempo e espaço : que insiste em existir quando antes podia ser apenas o nada.

Das Formas


Nada existe, apenas parece existir: o fenômeno que chamamos de "realidade" não é senão o da percepção.

Saturday, June 03, 2006

Physis - O sonho do Ser Pajé

Uma história luminosa.
Certa vez, em 1993, uma visão se apresentou inédita para o que conhecia até então acerca da natureza, isto se deu pela generosidade de Ailton Krenak, um índio com quem conversava na ocasião. Através de sua vivência e percepção da natureza, infinitamente mais integrada que a minha, ele me desocultou o óbvio. Assim, olhando através de uma janela numa pequena casa em São Paulo, vi as árvores dançando para o Céu.
O ELO
As dicotomias que deram aval ao massacre das populações indígenas são amplamente comentadas desde os primeiros contatos entre os povos e, em cada versão, encontramos detalhes diversos em relevo, onde em geral, a figura do branco surge sempre como uma presença inevitável à marcha natural da evolução humana. Do mesmo modo, hoje, encontramos inúmeras vozes que procuram redimir o desastre que essa “visão evolutiva inevitável” proporcionou às civilizações indígenas, encetando um relativismo que compatibiliza alternativas “evolutivas” diferentes, por assim dizer. A Dança para Segurar o Céu não surge como mais uma versão alternativa para redimir, compensar, ou ainda, “salvar o que vale a pena” do que resta das culturas dizimadas pelo progresso. Esta Dança preexiste e subsiste ao fenômeno expansionista que lançou os povos no paradigma da contemporaneidade, dir-se-ia, deste modo, que este “dançar” embala os corpos desde que eles vieram a ser o que são em sua essência e origem.

Mamaé do Peixe - Anunciação

Não me interessa o que você faz para viver.
Eu quero saber o que de fato você
busca e se é capaz de ousar,
sonhar,
encontrar as aspirações de seu coração.
Não me interessa a sua idade,
eu quero
saber se você será capaz de se
transformar em um tolo para poder amar,
viver seus sonhos,
aventurar-se
a estar
vivo.

Depoimento de um um grande homem, de um Índio, de um Ser em Devir, em comunhão com
o Todo.

Dança para Segurar o Céu - Ventre

Eis que a palavra percorre seu destino e no Amor busca ser som luminoso.

Lume iridescente na voz de Ayauasca, na voz interna, que nada sabe ser além daquilo que É: nem verdade nem mentira, mas apenas Ser existindo.

Difícil tarefa é a de ouvir internamente.

Dança para Segurar o Céu - Natividade

Floresta 3/1992

Caminho passos, que atrás de mim vão se distanciando do que eu era .
Vez por outra, olho para trás, e ali estou a me percorrer;
e ao invés de marcas no chão da floresta de minha vida,
vejo‘eus’ em marcha a rumar em meu sentido.
Fujo em esquivas posturas de não ser mais como fui...
e meus passos, atrás de mim, afundam-se em desfiguradas depressões.
Aqui estou.
Em breve instante de ofegante prazer.
A idéia de voltar-me e olhar, é o eco de um grito estranho em uma caverna mais estranha ainda.
Ali aguardo, espreito por um caminhar sem passos,
um querer ser sempre que pareça ter sido de outro que não o meu.
Em perplexidade sinto a paisagem onírica,
vejo-me passar para além de ser eu ali a espreitar...
Enfim o gozo... percebo ser eu a caverna,
o eco a continuar a estar ali sempre adiante de meu caminho.

Dança para Segurar o Céu - O encontro



Certa vez uma visão se apresentou como se fosse inédita para o que até então eu conhecia acerca da natureza. Isto se deu pela generosidade de um índio com quem conversava na ocasião. Através de sua vivência infinitamente mais integrada à natureza do que a minha, ele me desocultou o óbvio. Assim, olhando por uma janela de uma pequena casa em São Paulo, eu vi as árvores dançando para segurar o Céu. Eram árvores antigas ali na praçinha, estavam resguardando o pouco do silêncio que chegava do trânsito da avenida que corria apressada. Parecia, no entanto, que a "cidade" estava longe dalí. Um vento de final de dia soprava leve, arranhando um zum zum de fundo feito música. Às vezes a folharada se esbarrava mais forte e matracava uma alegria qualquer. Nada era aparentemente diferente de tudo o que sempre esteve ali, uma praça como tantas outras perdidas pela cidade, mas no entanto, agora havia mais do que percebia antes daquele isntante mágico. Havia claramente uma correspondência entre as coisas que as tornavam agentes de um só propósito. A realidade espacial pouco importava, estava dissolvida a distância técnica e lógica que distingue o eu e do outro, já não havia sentido em pensar sobre dualidades, bastava uma só verdade para o sentido de ser. Percebi que eu também fazia parte da mesma dança, apenas estava inconsciente disso até o índio me mostrar.Daí o desocultamento: o aqui tudo era só o lá daquela Dança para segurar o Céu. Não havia porque não ser aquilo, a visão revelava-se no movimento mudo dos galhos acompanhando o vento que cantava uma música vinda do sublime milagre da existência. A rua canalizava esse fluxo ventania que o mato da praça amansava, e com isto, o libertava momentaneamente das definições plausíveis, da pressa e das finalidades atmosféricas, mas não o confiscava, integrava-o a um Todo, porém, só por um instante, que logo esvanecia-se em seguida, deixando este ciclo sem fim oculto, como a mera passagem entre a realidade urbana e o Cosmo. Já se perdia então para mim a Dança, eu, o passante ligeiro, compromissado, a música desvanecendo em sua invisibilidade imaculada, em mim resta agora, depois de divagar livremente nela, apenas este pretexto para o discurso. Permanece agora em mim a busca, mas também, algo a mais na sensação de reviver aquele sentido, ecoando em minha Alma, imanente, e ao rememorá-lo, ainda que de outro modo, percebo o pulsar desse desejo ilusório, tão típico do artista em minha decisão de pintar a Dança para segurar o Céu. Ficou na memória esse sonho que agora se manifesta nas imagens reorganizadas neste outro Cosmo que é Arte. Mas sempre há a chance de deixar-se levar pelo vento e dançar com ele neste Céu aberto que nos ampara desde sempre.








Eis que a palavra percorre seu destino e no Amor busca ser som luminoso. Lume iridescente na voz de Ayauasca, na voz interna, que nada sabe ser além daquilo que É: nem verdade nem mentira, mas apenas Ser existindo. Difícil tarefa é a de ouvir internamente. A Luz é tudo o que É, e seu mistério repousa nas coisas que ilumina, pois que a matéria não é isto que é vista, senão como fenômeno de Luz transformada em ente iluminado. Se o mistério é demasiado, é porque há mais do que a verdade na busca por sua revelação. Se a vista revela o que se vê, não será a vista que revelará também a razão de ser daquilo que é visto?






Àpeiron - I

Outro

Foi quando parei de escrever que me veio este texto.
Chega-me como um perfume de não sei que flor, nem cor de rosa nem de negro, e logo encorpa o mundo.
Meu mundo é claro.
Meu mundo claro é como tudo o que não sei dizer com este texto perfumado com o cheiro que ninguém poderá sentir além de mim nesse instante. Mas sem porque me invade a mente, as narinas e o peito, numa presença que será lembrança vaga, logo, como esta linha escrita a mim. Sim, porque ninguém escreve senão a si mesmo.
Daí, nesta negra noitada, imerso neste odor imaginado de fim de semana, as palavras me ressoam, sem saber que nada dizem além do que eu mesmo posso com elas. Pouco se sabe das palavras na verdade além do que encerram em sua nudez seca.
Mas insistem.

Me induzem a ser ato indulgente à verdade, e escrevo. Fustigam o corpo do texto que incha sem saber o que fez para sofrer essa tortura de ter que ser alguma coisa sã.
– Diga palavra!
Como é doce esse lamento – eu penso.
E de nada vale este pensar... que isto seria uma espécie de lamento, este decrépito e inapto pensar, que balbucia, zunindo ... e que logo se esquece no mais adiante. E no entanto, há de se pensar numa boa coisa, uma saída de lá onde se pensa pensar, caminhar numa coisa que não se tenha de verdade só para si... numa coisa de mulher talvez, já que sou homem. Nunca poderei ser senão o pensamento sobre a mulher.
Uma Musa que canta ao poeta incorporado, inundado de sentidos sem lógica para aquilo que pode dizer por si como homem.

Falar de uma época que pode nunca ter sido além de uma esperança que se perdeu.
Perder-se nesta bruma.
Num amor talvez, já que sou homem.
Já que sou homem...
Vagueia palavra, diz em mim o que é amor, e eu acreditarei, como um homem apaixonado. E me vem logo o perfume de mulher gostosa lambendo nuca , arrepiando os pelos do corpo, memória eriçada, intumescendo a imaginação.
Chega sem pedir.

Como este texto.

Àpeiron - II

Após um longo processo de observação a obra se fecha naquilo que o tema revelou ao artista. A obra é sempre um processo em andamento que ocorre em dois planos: se desenvolve na interioridade do artista e se manifesta na matéria em forma de um registro instantâneo dessa experimentação criativa. Tanto internamente quanto externamente a obra percorre um destino próprio que se consuma, finalmente, no olhar dos outros.