Sunday, December 12, 2010

Quantos ou quais?

Quando escrevo, quem realmente escreve, ou ainda, quantos escrevem?
            Do mesmo modo, quando digo querer algo, sou capaz de identificar absolutamente, isto é, sem resto de dúvida, ser Eu a origem desse querer?
           
Há, de certo ponto de vista, um perigo que se encerra na aparência destes questionamentos. Poder-se-ia cogitar uma fragmentação de personalidade, uma patologia, ou até a ausência de uma personalidade formada, indefinida a tal ponto, que o sujeito questionador estaria desintegrado num fluxo daquilo que o mundo ao redor, a sociedade, por assim dizer, imputaria sobre seu modo de ser e estar, absorvido assim por uma força inescapável. Tal argumento se filia facilmente à inúmeras doutrinas que se originam no mal estar da sociedade de Freud, amplificadas pela escola de Frankfurt, e que, retidas na superfície do indivíduo socializado, assim visto pela psicanálise, desfrutaria da liberdade de afirmar, beirando a hipóstase, que tudo resulta de uma marcha do “progresso”: do estado e dos modelos econômicos em vigor.
Ladainhas...milongas e afins embalsamados no "academês" herdado do velho mundo.
           
            Mas por outro lado - e sempre há a chance de se negar tudo o que se diz a qualquer momento, pois esta é a essência da racionalidade – diríamos também que o tal sujeito questionador aderiu a alguma “seita” talvez. E que no âmago de seu ser tivesse alimentado dezenas de “verdades”, sendo a maior delas, aquela que o leva ao compromisso ético de admitir-se apenas “fluxo” de uma manifestação infinitamente maior e que é insondável à razão.
            Este argumento, por sua vez, também encerra em sua aparência o perigo de um fanatismo cego, seja lá a crença fundada em qualquer seita que pensemos. Sendo dogma é por natureza o fruto de um desejo narcísico.

            E, no entanto, há razão para tudo não é?
            E o desejo de ser, a despeito de poder ser ou não explicado pela razão, simplesmente continua a SER. E a prova disto é que estamos nós aqui, entretidos com um fazer significativo, que deita suas raízes em ambos os lados do existir: o simplesmente ser e o saber que se está sendo.

            Percorrida esta distância, que não sabemos qual foi, nem a partir de onde saímos e muito menos aonde chegamos, admitimos que só haja uma certeza: somos capazes de sentir e pensar sobre nossos sentidos.

            Desconsiderando aquilo que é desejo de alguns poucos - dentre os quais gosto de me incluir – o de buscar na sensação um sentido igualmente importante ao sentido nascido do pensar, restariam as prioridades dadas pela existência material que condicionam um modo de estar na história.
            Penso com meus botões que poderia sim assentir que o marxismo “explica” muito do que é preciso para se estar “aqui”, neste “agora”.
            Penso também que Don Juan, o índio yaque que “despertou” Carlos Castañeda – ficção ou não – disse muito sobre a natureza humana iluminando nela aquilo que o princípio civilizatório tenta esconder.
            Penso...penso...penso...e nada disto que penso é mais do que a veemente prerrogativa de respirar, de beber água, de comer e de dormir , que no mais das vezes eu ignoro a importância por permancer existindo em pensamento sobre "o que deve ser" meu modo de ser.

            Ultrapassada esta minha ignorância sobre a importância real de minhas necessidades fisiológicas, sobre as relações subjetivas e diretas delas em meu bem estar físico, e que atuam sobre minha forma de sentir e pensar, digo ser importante compreender minhas emoções.

Vejo assim que se fosse realmente admitir o que “é” a minha existência – partindo da necessidade primeira para qualquer coisa sobre mim, pois este saber é vital para a compreensão de minhas “emoções” – pouco posso dizer delas aquilo que está fundado em minhas crenças. Talvez eu seja um cético, ou talvez, seja um cético deprimido, ou deprimido por ser cético. Mas para além das conjecturas mentais, corre meu sangue, neste mesmo instante, e o oxigênio alimenta meus neurônios céticos e deprimidos.

Ora, eis aí uma dualidade - para reduzirmos a dois, as múltiplas escolhas que poderíamos levantar quanto à natureza do ser. Posso simplesmente ser o guardador de rebanhos de Pessoa, insistindo na bucólica paisagem que chamo de mundo, e também posso transcender minha condição material e encarnar inúmeros heterônimos, em espírito, a ponto de confundir tanto a mim mesmo, que nada restaria para um outro além de ilusões sobre mim.

Mas há as emoções.
Emoções que são reais para todos nós – e falo isto exclusivamente me dirigindo a todos que sou. Emoções que de quando em quando, um ou outro em mim acham justo dar o devido valor, sofrer verdadeiramente nelas como se fosse o único, como se fosse o pródigo, como se fosse um príncipe, e acabar no chão feito pacote tímido, no meio do público náufrago.

            Ah...as emoções.