Sunday, November 12, 2006

O dia do Mito

Por que isto - a Arte?
O que saber sobre sua "matéria", senão sobre o que o homem é capaz de fazer de si nesta relação com as matérias que manuseia durante a obra, e sobre seu contato com o imponderável?
A mente, tanto quanto a matéria plástica, não se revela sem resguardar para si algo de opaco, algo que deve permanecer a título de projetar sempre o desejo de ir além, de investir no que ainda não se vê, mas que se pressente.
Do que se disse até aqui, sabemos nós, e coloco-me agora como outro que lê a si, uma história de artista, uma visão acerca de si que elege o que considera relevante para contextualizar sua trajetória nas Artes, mas subitamente, com este deslocamento observamos um salto no abismo do inefável, que tem uma ponte sobre si, ligando um lado, o da pergunta, ao outro, o da resposta, esta ponte chamada matéria.
Matéria que se multiplica em significados segundo a ordem que lhe emitimos.
Seja óxido e ela será.
Seja cor e ela será.
Seja um coelho saído de uma cartola e ela será.
Feita a nossa imagem e semelhança, é o que lhe cabe ser em sua verdade no mundo. Isto implica em que a repulsa de um material pelo outro, sua incapacidade de fusão, criada por uma ação voluntária imposta previamente pelo artista – impermeabilizando uma área, por exemplo, e colorido em seguida com uma tinta que será repelida - pode oferecer uma observação que leve em conta a forma das manchas que se cria. A forma da mancha não altera o fato de que a tinta foi repelida devido às suas propriedades físico químicas ou que a superfície da tela reteve apenas um pouco da cor aplicada, pela mesma razão, fato que já seria um dado técnico relevante para uma observação científica.
Porém, as formas criadas nesta relação de incompatibilidade material, consideradas dentro de uma ótica poética, filosófica ou mesmo metafísica, são muito relevantes para o artista, que a partir da interpretação subjetiva destas formas, poderá inferir significados específicos que alterem totalmente o conteúdo imagético da obra. Este é o exercício pleno da imaginação, incitado pela observação do comportamento material das tintas sobre a superfície da obra em vista de uma resposta que beira o animismo. E por que não?

Sapain e a Onça

Sunday, November 05, 2006

Poiésis

Sou antes do pensamento que sou

Um dos problemas fundamentais de nosso tempo é a comunicação do pensamento. Há muitas formas de linguagem disponíveis, além dos hábitos que por si mesmos também promovem a fragmentação e deformação do discurso em distintas linguagens: científica, artística, técnica, da vida cotidiana e assim por diante, cada qual explicando as coisas segundo sua característica própria, que é dada numa determinada cultura.[1]
Por sua vez, o discurso sobre a Arte oferece ao pesquisador, e lhe permite, conseqüentemente, dizer aquilo que ela , a Arte, manifesta de racional, aquilo que é passível de uma tradução pela via do intelecto.
Mas a despeito desta propriedade caracteristica deste tipo de discurso, de sua capacidade para articular o que é lógico, há também nele uma "potência" que não se reduz à investigação puramente racional, por assim dizer. Digamos que esta potência participa ou "habita" um universo que é "ilimitado". Assim sendo, em si mesmo, este universo abriga o sentido "poético" do ser. Neste sentido, esta "potência" imanente do discurso, por sua natureza, remete o homem à capacidade de associação "extralógica" ou daquilo que a lógica deve negar por definição. Abre-se na consciência, de modo irremediável, a existência de um "algo" indefinível, porém perceptível e criador de significado positivo aos sentimentos.
Este "algo" que persevera como uma essência imanente na articulação das idéias, fica oculto no que a palavra não alcança, isto é, manifesta-se na consciência do leitor “a partir do discurso”, no entanto, sem deixar-se revelar "absolutamente". Subsiste como um "pre-sentimento".

Gaston Bachelard cita que um dos destinos da palavra é a poesia: “Dir-se-ia que a imagem poética, em sua novidade, abre um porvir da linguagem.”[2]
Portanto, esta porção inefável, de natureza subjetiva, que é uma das características da Arte, só é dita "pelo" silêncio da razão, é evocada "nas" entrelinhas do discurso, soando apenas na voz que o leitor ouve "em si", em sua solidão ativa durante a sua articulação intransmitível de significados particulares.
[1] Aristóteles aborda a questão em sua Metafísica: “os vários modos de dizer o ser”.
[2] Introdução, A Poética do Devaneio, Bachelard,Gaston.

Habitante do tempo

Somos prisioneiros do tempo. Nada do que pensamos está para além das concepções temporais, nada do que é dito é dito fora do tempo. Somos apenas porque há uma vontade de Ser expressa no Verbo. Curiosamente, nossa prisão é o motivo último da vontade de sermos livres. No entanto, uma ilusão foi criada, desde sempre, e talvez exista apenas para que possamos superá-la: a virtualidade. Na mente antiga ela aparece como o ente, o existir imaterial das Formas platônicas. Hoje ela tende a desaparecer na banalização da técnica, coberta pelo virtuosismo das imagens digitais fecundando mundos que não existem senão na máquina que julgamos dominar e manipular. A velocidade nos aparece agora como ordem do dia: devemos correr, devemos atualizar. Mas se apenas habitamos o tempo por ser este o nosso modo de perceber, se as explicações que damos sobre isto são as justificativas para "termos que" nos atualizar, a questão da liberdade, da superação dos limites temporais está justamente no que ultrapassa a explicação. Estamos diante da chance de um novo paradigma, no qual, a virtualidade nos convida a apenas estar ali onde sabemos não estar, a sermos independentes da quantificação que devora nosso ser num tique-taque interminável. Ser é o mesmo que estar? Por quê?