Friday, June 25, 2010

Trancendência


Há muitos anos, talvez em 1988, escrevi estas linhas. Era então um desenhista na cenografia de um canal deTV, e tinha teimosia o suficiente para escrever sem saber nada sobre o que escrevia. Bons tempos.



Todo mistério é fruto
do desconhecimento,
Que por sua vez,
é relativo ao ponto
de vista.
Logo, o mistério de uns
é a verdade de outros.
Então existe o mistério ?
Existe a verdade ?
Ou apenas pontos de vista ?
A dúvida é o mistério.
O conhecido simplesmente "é".
Ser é não ter mistérios,
tão pouco verdades.
A existência é um problema
de quem ainda não percebeu
que existe.
Há o fazer.
E também o “porque”
(às vezes)de fazê-lo.
Mas há o elo entre
o ato imediato e
sua consequência prevista (?)
Ou há um contínuo interagir
entre ação/reação(?)
Há no máximo pseudoconclusões
de um breve momento já passado.
O intervalo entre a ação e
o pensar a ação é falso.
Só há a ação.
O pensar é independente do tempo ou espaço.
Qualquer observação sobre o pensar
é no máximo limitada por conter-se a si mesmo.
Há o “transcendente” no pensar ?
Sob que linguagem se fixaria o
discurso sobre a “transcendência” ?
O saber é intransmissível
porque saber é viver,
e viver é experimentar só:
as limitações de seus
pontos de vista, mistérios, verdades
e “transcendências”.

Thursday, June 10, 2010

Insônia

Muitos anos se passaram...e o texto, antigo, me veio mais uma vez, iluminou-se numa destas buscas sem mais querer do que adiar o sono. Evidentemente já estava sonhando.

talvez em 1999...


Foi quando parei de escrever que me veio este texto.
Chega-me como um perfume de não sei que flor, nem cor de rosa nem de negro, e logo empesteia o mundo. Meu mundo, é claro.
Meu mundo claro é como tudo o que não sei dizer com este texto perfumado com este cheiro que ninguém poderá sentir além de mim. Mas me invade a mente, as narinas e peito, numa presença que será lembrança vaga, como esta linha escrita a mim. Sim, porque ninguém escreve senão a si mesmo.
Daí, nesta negra noitada, neste odor imaginado de fim de semana, as palavras invadem, sem saber que nada dizem além do que eu mesmo posso dizer com elas. Mas insistem. Mas fustigam o corpo do texto, que incha, sem saber o que fez para sofrer essa tortura de ter que ser alguma coisa sã: – Diga palavra!
Como é doce esse lamento – eu penso.
E nada me vale mais do que este pensar que isto seria uma espécie de lamento, este decrépito e inapto pensar que balbucia fedores que logo se esquece no mais adiante. E, no entanto, há de se pensar numa boa coisa, numa coisa que não se tenha de verdade só para si... numa coisa... numa mulher talvez, já que sou homem.
Num amor talvez.
Vagueia palavra, diz em mim o que é e eu acreditarei, como um apaixonado.
E me vem logo o perfume de mulher gostosa lambendo a nuca e arrepiando os pelos do corpo. Chega sem pedir. Como este texto, como paixão. Mas procura em si mesma, menos do que ele, texto e paixão, em mim, porque nada quer ser além de fazer nascer um querer irremediável neste outro que sou eu apaixonado.
Paixão.
Se instala assim, a despeito de eu querer que se instale, está absolutamente imune a qualquer consentimento meu , e  se auto proclama nexo e lei, como a única possibilidade de exalar o mais belo dos sonhos ao me fazer adormecer. Sonho essa paisagem.
E quem dirá que nada disso pode ser verdadeiro, tal como são estas linhas deste texto intruso? Deste perfume que é lapso num modo que só pode conhecer o inodoro? Desta paixão inexistente arrancando suspiros e lágrimas irreais inundando outro que eu posso ser também em minha cena?
De quantos amores é possível escapar ileso até perceber que a verdade é que nunca será mais que um só o amor que nos aprisiona e nos liberta?
Presos nesta liberdade evanescente, sonhamos sentir ares pela janela aberta de todos os amores, que são um só, o aroma de lá fora, e nesta cela somos muitos.   
Este perfume de papoula, esta febre de ópio que penetra nos mistérios dos amantes, sons nos silêncios sussurrados nos ouvidos de apenas alguns poetas – estes seres do devaneio, destemidos o suficiente para saltar para a boca do abismo sem fim, para voar eternamente em respostas a perguntas jamais feitas.
Quantos textos invadidos aqui, nestas linhas inépcias, num só golpe de dedos rudes, para revelar a miséria miraculosa das flores e trevas que podem coexistir num peito dolorido porque se quis outro além de si...
Este breve viver, que é a morte plena, fendida nas chagas abertas da alma, nunca cicatrizadas, neste gozo irrepreensível da escrita, que é também um sucumbir ante todos os desejos, lançar-se nos desvios evitados, anunciados como perigosos pelos senhores da mente sadia devorando sua salsicha presa, comida sem requinte ou pena da imortalidade da Alma, carniceiros sorvendo a carne da vida deste existir alheio e inexplicável, que é o de qualquer destino humano quando medido pelo razoável.
Desvio.
E do mesmo modo que veio, o texto se esvai agora, como o perfume de mulher, como o sonho interrompido pela sede noturna, para ir ter com outros, habitar outras águas que as vertidas no copo vazio que mata a secura dos lábios da minha insônia.