Espaço reflexivo, multidisciplinar, multiétnico e pluridimensional... adentra o terreno da Metafísica pelas vias subjetivas da Arte, trazendo de lá,do inefável sentido do ser, a busca por sua realização: Ser além de si mesmo, e permanecer inalterado, imutável e pleno. Bem vindo ao tempo sem unidade e ao espaço sem extensão! Saudações!
Tuesday, June 20, 2006
Saturday, June 03, 2006
Physis - O sonho do Ser Pajé
Uma história luminosa. Certa vez, em 1993, uma visão se apresentou inédita para o que conhecia até então acerca da natureza, isto se deu pela generosidade de Ailton Krenak, um índio com quem conversava na ocasião. Através de sua vivência e percepção da natureza, infinitamente mais integrada que a minha, ele me desocultou o óbvio. Assim, olhando através de uma janela numa pequena casa em São Paulo, vi as árvores dançando para o Céu. |
O ELO
As dicotomias que deram aval ao massacre das populações indígenas são amplamente comentadas desde os primeiros contatos entre os povos e, em cada versão, encontramos detalhes diversos em relevo, onde em geral, a figura do branco surge sempre como uma presença inevitável à marcha natural da evolução humana. Do mesmo modo, hoje, encontramos inúmeras vozes que procuram redimir o desastre que essa “visão evolutiva inevitável” proporcionou às civilizações indígenas, encetando um relativismo que compatibiliza alternativas “evolutivas” diferentes, por assim dizer. A Dança para Segurar o Céu não surge como mais uma versão alternativa para redimir, compensar, ou ainda, “salvar o que vale a pena” do que resta das culturas dizimadas pelo progresso. Esta Dança preexiste e subsiste ao fenômeno expansionista que lançou os povos no paradigma da contemporaneidade, dir-se-ia, deste modo, que este “dançar” embala os corpos desde que eles vieram a ser o que são em sua essência e origem.
Mamaé do Peixe - Anunciação
Dança para Segurar o Céu - Ventre
Dança para Segurar o Céu - Natividade
Caminho passos, que atrás de mim vão se distanciando do que eu era .
Vez por outra, olho para trás, e ali estou a me percorrer;
e ao invés de marcas no chão da floresta de minha vida,
vejo‘eus’ em marcha a rumar em meu sentido.
Fujo em esquivas posturas de não ser mais como fui...
e meus passos, atrás de mim, afundam-se em desfiguradas depressões.
Aqui estou.
Em breve instante de ofegante prazer.
A idéia de voltar-me e olhar, é o eco de um grito estranho em uma caverna mais estranha ainda.
Ali aguardo, espreito por um caminhar sem passos,
um querer ser sempre que pareça ter sido de outro que não o meu.
Em perplexidade sinto a paisagem onírica,
vejo-me passar para além de ser eu ali a espreitar...
Enfim o gozo... percebo ser eu a caverna,
o eco a continuar a estar ali sempre adiante de meu caminho.
Dança para Segurar o Céu - O encontro
Certa vez uma visão se apresentou como se fosse inédita para o que até então eu conhecia acerca da natureza. Isto se deu pela generosidade de um índio com quem conversava na ocasião. Através de sua vivência infinitamente mais integrada à natureza do que a minha, ele me desocultou o óbvio. Assim, olhando por uma janela de uma pequena casa em São Paulo, eu vi as árvores dançando para segurar o Céu. Eram árvores antigas ali na praçinha, estavam resguardando o pouco do silêncio que chegava do trânsito da avenida que corria apressada. Parecia, no entanto, que a "cidade" estava longe dalí. Um vento de final de dia soprava leve, arranhando um zum zum de fundo feito música. Às vezes a folharada se esbarrava mais forte e matracava uma alegria qualquer. Nada era aparentemente diferente de tudo o que sempre esteve ali, uma praça como tantas outras perdidas pela cidade, mas no entanto, agora havia mais do que percebia antes daquele isntante mágico. Havia claramente uma correspondência entre as coisas que as tornavam agentes de um só propósito. A realidade espacial pouco importava, estava dissolvida a distância técnica e lógica que distingue o eu e do outro, já não havia sentido em pensar sobre dualidades, bastava uma só verdade para o sentido de ser. Percebi que eu também fazia parte da mesma dança, apenas estava inconsciente disso até o índio me mostrar.Daí o desocultamento: o aqui tudo era só o lá daquela Dança para segurar o Céu. Não havia porque não ser aquilo, a visão revelava-se no movimento mudo dos galhos acompanhando o vento que cantava uma música vinda do sublime milagre da existência. A rua canalizava esse fluxo ventania que o mato da praça amansava, e com isto, o libertava momentaneamente das definições plausíveis, da pressa e das finalidades atmosféricas, mas não o confiscava, integrava-o a um Todo, porém, só por um instante, que logo esvanecia-se em seguida, deixando este ciclo sem fim oculto, como a mera passagem entre a realidade urbana e o Cosmo. Já se perdia então para mim a Dança, eu, o passante ligeiro, compromissado, a música desvanecendo em sua invisibilidade imaculada, em mim resta agora, depois de divagar livremente nela, apenas este pretexto para o discurso. Permanece agora em mim a busca, mas também, algo a mais na sensação de reviver aquele sentido, ecoando em minha Alma, imanente, e ao rememorá-lo, ainda que de outro modo, percebo o pulsar desse desejo ilusório, tão típico do artista em minha decisão de pintar a Dança para segurar o Céu. Ficou na memória esse sonho que agora se manifesta nas imagens reorganizadas neste outro Cosmo que é Arte. Mas sempre há a chance de deixar-se levar pelo vento e dançar com ele neste Céu aberto que nos ampara desde sempre.
Eis que a palavra percorre seu destino e no Amor busca ser som luminoso. Lume iridescente na voz de Ayauasca, na voz interna, que nada sabe ser além daquilo que É: nem verdade nem mentira, mas apenas Ser existindo. Difícil tarefa é a de ouvir internamente. A Luz é tudo o que É, e seu mistério repousa nas coisas que ilumina, pois que a matéria não é isto que é vista, senão como fenômeno de Luz transformada em ente iluminado. Se o mistério é demasiado, é porque há mais do que a verdade na busca por sua revelação. Se a vista revela o que se vê, não será a vista que revelará também a razão de ser daquilo que é visto? |
Àpeiron - I
Foi quando parei de escrever que me veio este texto.
Chega-me como um perfume de não sei que flor, nem cor de rosa nem de negro, e logo encorpa o mundo.
Meu mundo é claro.
Meu mundo claro é como tudo o que não sei dizer com este texto perfumado com o cheiro que ninguém poderá sentir além de mim nesse instante. Mas sem porque me invade a mente, as narinas e o peito, numa presença que será lembrança vaga, logo, como esta linha escrita a mim. Sim, porque ninguém escreve senão a si mesmo.
Daí, nesta negra noitada, imerso neste odor imaginado de fim de semana, as palavras me ressoam, sem saber que nada dizem além do que eu mesmo posso com elas. Pouco se sabe das palavras na verdade além do que encerram em sua nudez seca.
Mas insistem.
Me induzem a ser ato indulgente à verdade, e escrevo. Fustigam o corpo do texto que incha sem saber o que fez para sofrer essa tortura de ter que ser alguma coisa sã.
– Diga palavra!
Como é doce esse lamento – eu penso.
E de nada vale este pensar... que isto seria uma espécie de lamento, este decrépito e inapto pensar, que balbucia, zunindo ... e que logo se esquece no mais adiante. E no entanto, há de se pensar numa boa coisa, uma saída de lá onde se pensa pensar, caminhar numa coisa que não se tenha de verdade só para si... numa coisa de mulher talvez, já que sou homem. Nunca poderei ser senão o pensamento sobre a mulher.
Uma Musa que canta ao poeta incorporado, inundado de sentidos sem lógica para aquilo que pode dizer por si como homem.
Falar de uma época que pode nunca ter sido além de uma esperança que se perdeu.
Perder-se nesta bruma.
Num amor talvez, já que sou homem.
Já que sou homem...
Vagueia palavra, diz em mim o que é amor, e eu acreditarei, como um homem apaixonado. E me vem logo o perfume de mulher gostosa lambendo nuca , arrepiando os pelos do corpo, memória eriçada, intumescendo a imaginação.
Chega sem pedir.
Como este texto.