Saturday, June 03, 2006

Àpeiron - I

Outro

Foi quando parei de escrever que me veio este texto.
Chega-me como um perfume de não sei que flor, nem cor de rosa nem de negro, e logo encorpa o mundo.
Meu mundo é claro.
Meu mundo claro é como tudo o que não sei dizer com este texto perfumado com o cheiro que ninguém poderá sentir além de mim nesse instante. Mas sem porque me invade a mente, as narinas e o peito, numa presença que será lembrança vaga, logo, como esta linha escrita a mim. Sim, porque ninguém escreve senão a si mesmo.
Daí, nesta negra noitada, imerso neste odor imaginado de fim de semana, as palavras me ressoam, sem saber que nada dizem além do que eu mesmo posso com elas. Pouco se sabe das palavras na verdade além do que encerram em sua nudez seca.
Mas insistem.

Me induzem a ser ato indulgente à verdade, e escrevo. Fustigam o corpo do texto que incha sem saber o que fez para sofrer essa tortura de ter que ser alguma coisa sã.
– Diga palavra!
Como é doce esse lamento – eu penso.
E de nada vale este pensar... que isto seria uma espécie de lamento, este decrépito e inapto pensar, que balbucia, zunindo ... e que logo se esquece no mais adiante. E no entanto, há de se pensar numa boa coisa, uma saída de lá onde se pensa pensar, caminhar numa coisa que não se tenha de verdade só para si... numa coisa de mulher talvez, já que sou homem. Nunca poderei ser senão o pensamento sobre a mulher.
Uma Musa que canta ao poeta incorporado, inundado de sentidos sem lógica para aquilo que pode dizer por si como homem.

Falar de uma época que pode nunca ter sido além de uma esperança que se perdeu.
Perder-se nesta bruma.
Num amor talvez, já que sou homem.
Já que sou homem...
Vagueia palavra, diz em mim o que é amor, e eu acreditarei, como um homem apaixonado. E me vem logo o perfume de mulher gostosa lambendo nuca , arrepiando os pelos do corpo, memória eriçada, intumescendo a imaginação.
Chega sem pedir.

Como este texto.

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