Saturday, July 22, 2006

O que é isto - a Arte?


A relação entre a arte e a ilusão é absolutamente indissolúvel. Podemos afirmar que a arte é a mais profunda de todas as ilusões, pois nos convence de que é verdade aquilo que sabemos ser a mais pura farsa.
O homem busca na arte a ilusão de vencer o tempo, e na materialidade da obra de arte, em sua perenidade, conquistar a imortalidade, perpetuar seu sentimentos, pensamentos e visões, fixar seu mundo para aqueles que viverão depois de seu tempo, num longínquo futuro.
Ilusão essa que ultrapassa a consciência que temos dos limites da mimese e que se instala na mente do artista desde seu primeiro ato inaugural, expressão de sua vontade criadora. Na imitação o artista, poeta pintor, se esconde, deixando visível apenas a obra acabada para que tenhamos a ilusão de que não é ele quem nos “disse”, mas de que é ela própria quem nos “diz”.
Se o artista é tomado por um desejo de realização da obra, se visa alcançar uma beleza que percorre com a visão do belo, que nasceu em sua interioridade, na qual, distingue um objeto nesta vasta paisagem, elegendo-o à paradigma da beleza, o faz por pura necessidade espiritual. E é assim porque não há freios que o impeçam desta experiência. Nada poderá se interpor à sua vontade de justificar seu propósito artístico interior, de “representar na matéria” aquilo que é imaterial, que é a sua sensação. O artista seguirá em sua empreitada ainda que saiba, de antemão, que sua realização, a obra de arte, será apenas a “sombra” do que experimentou em sua inspiração original.
Assim, diante de sua visão interna, iluminada justamente pela ausência da “realidade ordinária”, formada pelos limites que se impõe pela lógica cartesiana, que o artista se lança ao ímpeto criador e se encontra livre para seguir até à realização da obra de arte. E, mesmo que nela, na obra de arte, em sua superfície fria, de tinta ou de mármore, fique retida apenas a cópia externa de uma vivência interna, esta cópia se insinuará como o objeto autêntico ou imagem interna original.
Nesse sentido é que a crítica platônica à arte é incisiva. Para Platão a arte é justamente isto: a capacidade de iludir o homem de que a representação é a “coisa mesma”, de que é um modo de ser daquele ente. Tal fenômeno seria então oposto ao modo de vir a conhecer as coisas segundo a visão de Platão, pois nega que haja possibilidade de conhecer qualquer coisa pelas vias da sensação, do mundo sensível temos apenas a visão das sombras, um simulacro falso distante da verdade da formas eternas que habitam no mundo inteligível.
Contudo, o universo da arte se expande para muito além do que realmente podemos conhecer se levarmos em conta os limites da racionalidade. Na razão só viremos a conhecer aquilo que é pensamento, pois só o pensamento pode se articular numa explicação, na lógica das palavras, por outro lado, na arte, além de pensamentos, encontramos os sentimentos e estes só podem dizer sua verdade sem palavras concisas, pois pertencem a um universo maior, regido antes pela subjetividade e pelo inefável.
Só há sentido na criação quando a ilusão veste-se de verdade para o artista, quando ele está acometido da persuasão do devaneio. Impotente ante aquilo que escapa ao manuseio, no instante criativo a razão suspende seu domínio lógico, anula-se, para deixar que a imaginação liberte-se da objetividade intrínseca das coisas. E movendo-se do externo para o interno e deste para o espaço vazio que se preencherá com a obra, o real se sublima ante o que é a chance de percorrer o extraordinário e emancipa-se, por assim dizer, dos limites presos às noções do que é o possível e o impossível.
Daí, dizermos que o domínio da arte é autônomo, e sua lógica - se é que este termo é o adequado para isto - consiste em ser algo mais do que o possível e o impossível, vindo a operar naquilo que, instaurando novas bases, cria o meio e a forma da realidade inefável, tal como um novo paradigma da realidade.
A autonomia do artista está justamente em sua utopia, neste sonho e desejo de realizar a tradução desse universo inefável que vislumbra para uma linguagem compreensível também à razão. Porém, quando o faz, “fala” do que sabe numa língua subjetiva, que toca mais do que os tímpanos e a massa cinzenta guardada no crânio, buscando outros meios e modos do homem se conhecer. A arte visa a alma que, em verdade é a sua própria essência. É um discurso que mira apenas os anseios espirituais.
Desta forma, mais do que traduzir seu desejo, o artista constrói uma linguagem perfeita, porque sua forma é universal por excelência, seu discurso visa e deve atender a necessidades independentes de quaisquer fatores - culturais, políticos, filosóficos ou religiosos. Sua obra segue dizendo seu conteúdo a todos que a contemplem. E é neste sentido que se ela identifica ao mito, porque, ao atingir este poder de iludir, ela continua representativa indefinidamente no tempo. Dirá eternamente algo que ecoa na essência de todo homem: dirá a língua do espírito.
Temos, portanto, que é na arte que a dimensão extraordinária se manifesta abertamente, ou que ela é a face manifesta do extraordinário no humano. Isto ocorre porque esta é a natureza da arte.

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